A Queda de Adão

domingo, 16 de agosto de 2009

(Atenção! O texto a seguir é potencialmente inapropriado, vide algumas ressalvas em Avisos.)


A Queda de Adão, ou A Queda do Homem, ou simplesmente 'a Queda' é talvez o símbolo e o ponto fundamental da Bíblia. Muitos levam a história de Adão e Eva ao pé da letra, outros a descartam como mitologia inventada arbitrariamente, ou pura historinha de criança. Eu já gosto de interpretá-la simbolicamente, o que é somente meu ponto de vista. De um certo modo, todos estão certos. De outro certo modo, todos estão errados.

Minha interpretação particular é de que a Queda do Homem simboliza simplesmente a separação do homem de Deus, ou separação de sua Natureza Original, ou em outras palavras, a dualidade inicial. Na Bíblia isso ocorre quando Adão e Eva comem da fruta da 'Árvore do Conhecimento do Bem e do Mal'. Mais genericamente, poderia-se dizer que é a Árvore do Conhecimento de todas as dualidades e diferenciações: Bem e Mal, Sujeito e Objeto, Dentro e Fora, Eu e Não-Eu, Grande e Pequeno, Longe e Perto, etc. Poderia-se dizer que essas dualidades, ou separações, são a origem do sofrimento. (Desculpem-me pela fuga da interpretação tradicional de "pecado original", mas no momento estou querendo generalizar o máximo o possível.)

A Árvore é 'do Conhecimento' simplesmente porque essas diferenciações são meramente interpretativas/cogniscíveis, isto é, não são reais de um ponto de vista universal/absoluto, no máximo aparentemente reais de um ponto de vista particular/relativo, ou a partir de definições arbitrárias/axiomáticas.

Até onde sei, quase todas as religiões falam de algo parecido com a Queda de Adão de uma forma ou de outra.

No Taoísmo, eu diria que a Queda de Adão dá-se a partir da dualidade inicial, ou Yin e Yang. Antes da dualidade, há a Unicidade fundamental, ou Taiji. E antes da Unicidade, há o Nada fundamental ou Wuji.

No Budismo, a dualidade inicial é a Forma-Vazio. Mas diz o Sutra do Coração: forma é vazio, vazio é forma. A forma em si é vazio, o vazio em si é forma. Ou seja, ambos forma e vazio não possuem existência independente/inerente. Quando o Boddhisatva Avalokitesvara "viu" claramente que todos os agregados são vazios de existência independente/inerente, ele se libertou de todo o sofrimento.

O caso 23 da coleção de koans Mumonkan segue assim:

Eno, o Sexto Patriarca do C'han (Zen) Chinês, estava sendo perseguido pelo monge Emyo até Daiyurei. O patriarca, vendo que Emyo estava chegando, soltou o manto e a tigela em uma pedra, e disse a ele:
- Esse manto representa a fé. Por acaso ele deve ser disputado pela força? Você pode tomá-los agora.
Emyo foi até a tigela e o manto porém eles eram tão pesados quanto montanhas. Ele não conseguia movê-los. Hesitando e tremendo, ele perguntou ao Patriarca:
- Eu vim pelo ensinamento, não pelo manto. Por favor, me desperte!
O patriarca lhe perguntou:
- O que é primordialmente Emyo (isto é, sua Face Original), se você não pensar 'isto é o bem' nem pensar 'isto é o mal'?
Naquele momento, Emyo teve um grande despertar.


Meu comentário: O grande despertar de Emyo parece com a Queda de Adão, ao contrário.



P.S.:

Alguém pode dizer que eu estou forçando a barra, querendo dizer que coisas totalmente diferentes são semelhantes. E ele está certo, realmente eu estou forçando a barra, e estou querendo dizer que coisas totalmente diferentes são semelhantes. De qualquer forma é tudo uma questão de simbologia. Ou seja, tanto faz eu dizer que o gato está subindo na mesa, ou o cachorro descendo da mesa. Nesse caso, eu quero dizer que o cachorro é o gato e descer é subir. A mesa é mesa mesmo, para não complicar muito. Ou seja, o importante é estarmos falando da mesma coisa. Ou a mesma lua sendo apontada pelo dedo. Meditadores, programadores e linguistas talvez me entendam mais facilmente.

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