O Grande Novelo sem Explicação

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Figura 1. Exemplo de forma (geométrica).

A Figura 1 mostra uma forma. Porém podemos chamar de formas não somente formas geométricas, como também quaisquer conceitos, tais como:

- Conceitos abstratos (justiça, amor);
- Sensações (frio, calor, cores, sons);;
- Percepções estéticas (belo, feio);
- Julgamentos (certo, errado);
- Opiniões (bom, ruim);
- Qualquer coisa que possa ser descrita ou nomeada. De fato, nomear ou descrever é uma maneira de 'criar' uma forma complexa.

A principal característica da forma é que ela não têm uma existência independente, própria, inerente. Mudando a área colorida da forma que foi dada como exemplo, vemos que ao definirmos a forma, definimos também a não-forma (Figura 2):

Figura 2. Exemplo de não-forma (geométrica).

Assim, dizemos que a forma não é independente, não tem existência independente/inerente, já que ela depende da não-forma. Similarmente, a não-forma não é independente da forma. Poderíamos inclusive inverter os nomes, e chamar a forma de não-forma e a não-forma de forma. Isso pode ser feito trocando a Figura 1 com a Figura 2.

Vejamos outro exemplo que não seja uma forma geométrica, digamos, uma cor. Ao definirmos o vermelho, definimos também o não-vermelho. O não-vermelho inclui todas as cores que não são o vermelho: preto, amarelo, azul, rosa, branco, verde, marrom, etc. Quando vemos a cor amarela, automaticamente sabemos: não é o vermelho. É não-vermelho. Assim o conceito de vermelho depende de todas as outras cores, e o conceito de todas as outras cores depende do vermelho.

Outra peculiaridade da forma é que ela é dependente de uma mente que 'enxergue', 'crie', nomeie a forma. Ou seja, a forma não é independente da mente. No entanto, a relação entre a mente e a forma é muito parecida com a da forma e a da não-forma. Ou seja, uma é dependente da outra - a mente é dependente da forma, e a forma é dependente da mente.

A característica ou atributo das formas é de não terem existência independente, inerente. Essa característica é chamada frequentemente de vazio, ou vacuidade (sunyata).

Porém, a relação entre a forma e o vazio é muito parecida com a relação entre a forma e a não-forma. Isto é, a forma não é independente do vazio, e o vazio não é independente da forma. Ou, forma é em si, vazio; e vazio é em si, forma. Forma é vazio e vazio é forma.

A partir desse momento fica muito difícil continuar tentando explicar qualquer coisa conceitualmente (é receita certa de falar uma tolice atrás da outra - mas continuemos mais um pouco). Dizer que a forma não é independente do vazio (e vice-e-versa) significa dizer algo como

"a independência não é independente da dependência",
ou
"a dependência é dependente da independência",
ou diretamente
"dependência é independência", "independência é dependência".

Por isso é dito que a compreensão clara, verdadeira e profunda da vacuidade não pode ser conceitual, mas deverá ser experimental. Isso por que é impossível ou inútil conceitualizar propriamente a vacuidade e as suas relações entre a forma, a não-forma, a mente e a não-mente - chamo isso de "o grande novelo sem explicação".



Segue, a quem possa interessar, o Caso 29 do Mumonkan - A bandeira de Eno:

O vento estava tremulando a bandeira do templo, e dois monges estavam discutindo sobre ela. Um dizia:
- A bandeira está movendo.
O outro dizia:
- O vento está movendo.
Eles não conseguiam chega a um acordo, não importando o quão duramente debatessem. O sexto patriarca, Eno, passou coincidentemente por ali e disse:
- Nem o vento, nem a bandeira. É a mente que está movendo!
Os monges ficaram abismados.


Comentário de Mumon:

Não é o vento que move, não é a bandeira que move, não é a mente que move. Como devemos entender o sexto patriarca? Se você obtiver uma compreensão íntima desse significado, você verá por que os dois monges, querendo comprar ferro, obtiveram ouro. O patriarca não conseguiu refrear sua compaixão pelos dois monges, então tivemos essa cena lamentável.

O vento move, a bandeira move e a mente move,
Todos igualmente culpados.
Só sabe que a boca abriu,
Não sabe que o discurso saiu errado.

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