Engolindo sapos

quinta-feira, 9 de setembro de 2010



Um treinamento difícil é o de "engolir sapo", isso é, ouvir algo que não gostamos, sem rebater. Quase diariamente tenho a oportunidade de treinar, embora nem sempre a aproveite, caindo no erro da retaliação.

Ouço às vezes pessoas falarem coisas  como "eu não levo desaforo para casa!" ou "eu não seguro minha língua", "não tenho sangue de barata". Mas essa não é a atitude que um praticante budista deva ter, mesmo que tenhamos tendências nesse sentido. Rebater, retaliar, só perpetua os conflitos. Engolir os sapos acaba sendo melhor.

Certa vez em uma aula de yoga (que podem ser muito boas) eu ouvi um ensinamento assim: "Quando inspiramos, devemos imaginar absorvendo todas as coisas boas, energia. Quando expiramos, devemos eliminar todas as coisas ruins, todas as toxinas." Há algo errado nessa instrução. É exatamente o oposto daquilo que um praticante deve fazer, quanto ao sentido figurado da fala, ação e intenção. Isto é, não devemos ouvir coisas boas e falar coisas ruins, e sim ouvir coisas ruins e ainda assim falar coisas boas. O mesmo para a intenção e ação. É assim que se transforma o mundo em um sentido positivo.

Recentemente, esse entendimento foi confirmado quando encontrei uma instrução exatamente oposta àquela daquela aula de yoga no verso raiz da prática de treinamento da mente Lojong, um treinamento tradicional no budismo tibetano: "Quando inspirar, tome e aceite toda a tristeza, dor e negatividade de todo o mundo, incluindo a sua própria, e a absorva em seu coração. Quando expirar, espalhe toda a sua alegria e profunda satisfação, abençoe toda a existência."

O equivalente é encontrado no Cânone em Pali, "Aquele que não retalia vence uma batalha difícil de vencer", como também no tradicional texto zen Shodoka, em trecho já mencionado aqui: “Se as pessoas ofenderem e difamarem você, deixe-os: eles estão brincando com fogo, tentando queimar o céu. Quando eu os ouço, suas palavras são gotas de néctar que me mostram que esse momento está livre de conceituação. Palavras ofensivas são bençãos disfarçadas, e meus ofensores bons professores. Esta mente tem espaço para difamação e ofensa e é ela mesma compaixão e paciência sem originação.”

É relevante também a seguinte menção (acho que do Sutra Avatamsaka): "Um bodhisattva se preocupa com o que faz, não com o que recebe. Um homem comum se preocupa com o que recebe, e não com o que faz."

A flor de lótus nasce incólume da lama.

1 comentários:

rosana disse...

Estou na busca também.
Grata por esse post.

Gasshô.
Rosana.