Da relatividade dos textos

segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

Cópia do Sutra do Diamante, o mais antigo livro impresso do mundo, datado de 868.

Às vezes eu releio um texto que eu mesmo escrevi, e o entendo de maneira diversa do que eu pretendia registrar enquanto estava escrevendo (pois consigo me lembrar do que eu realmente queria dizer). Muitas vezes encontro novos significados mbutidos nele, significados que eu não pretendia transmitir de fato. Fico pensando então que, se eu mesmo entendo meu próprio texto de maneira diferente, quanto mais outras pessoas que venham a ler meus textos! A princípio não há nenhuma garantia de que elas venham a entender o que eu queria dizer (não entrando no mérito se o que eu pretendia dizer era realmente relevante ou não). O mesmo ocorre com os textos de outras pessoas que eu mesmo leio; é impossível ter certeza de que realmente compreendi o que eu deveria ter compreendido.

Ou seja, além da provável possibilidade de eu cometer erros na elaboração de um texto (se é que é possível escrever um texto sem erros), dando margem à significâncias não-intencionais, há ainda a possibilidade da pessoa que estiver lendo não interpretar exatamente aquilo que eu queria dizer, seja por falta de atenção durante a leitura, opiniões e interpretações pessoais, ou até mesmo falta de conhecimento da própria linguagem escrita (coisas que também se aplicam ao papel do escritor). No limite extremo, qualquer entendimento pode ser impossível, como no caso do desconhecimento de uma língua estrangeira.

De maneira geral, quanto mais simbólico e poético um texto, tanto maior o número de interpretações possíveis. Na poesia, a ambiguidade e a multiplicidade de significados é muitas vezes desejável e até proposital. Assim, livros sagrados como os Vedas, a Bíblia e o Corão abrem margem para uma imensa quantidade de interpretações. Quando eu era criança entendia a Bíblia de um jeito, hoje entendo de um jeito completamente diferente (embora não necessariamente mais correto). Uma interpretação elaborada do Corão, por exemplo, leva em conta mais de 70 significados para cada verso do mesmo, desdobrados cada um em mais 70 significados.

A conclusão a que eu chego é que um texto em si não possui um significado próprio. Quem dá ou projeta o significado ao texto, no final das contas, é o próprio leitor.

Dessa maneira, a única maneira de preservar e transmitir um determinado significado ou ensinamento, é aquele que originalmente queria transmitir o significado averiguar junto ao receptor o que este compreendeu. As mesmas considerações também podem ser feitas com as demais formas de comunicação, em especial com a comunicação oral (embora nesse caso seja mais provável que haja uma verificação imediata da compreensão correta). Imagino que esse é um dos motivos (apenas um deles) da importância que é dada, em muitas escolas Buddhistas - particularmente no Zen - às linhagens de transmissão e à relação mestre-discípulo.

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